A teoria da perda de uma chance na seara médica

Sumário

A perda de uma chance (engendrada no direito francês) é reconhecida no sistema jurídico brasileiro e vem ganhando, cada vez mais, simpatia da doutrina e da jurisprudência. Em breve síntese, é a perda de uma verossímil oportunidade de lograr uma vantagem futura ou impedir uma perda. Trata-se de uma modalidade autônoma e específica de dano, caracterizada pela indenizabilidade decorrente da subtração da oportunidade futura de obtenção de um benefício ou de evitar um prejuízo.

É, pois, uma nova concepção de dano indenizável, pela qual se admite a reparabilidade, independentemente da certeza de um resultado final, da subtração de uma oportunidade futura. Assim sendo, por certo, seu acatamento como uma categoria autônoma de dano no âmbito do Direito de Responsabilidade Civil implica, automática e seguramente, em redefinir os seus quadrantes, flexibilizando o conceito de nexo de causalidade, bem como renovando a própria conceituação de dano indenizável.

Tem-se que a chance perdida deve ser séria e real, não tendo relevância no ordenamento jurídico qualquer chance perdida, devendo haver elevada probabilidade de obtenção do resultado. Somente neste caso é que se poderá cogitar numa possível perda de uma chance caracterizada como dano material emergente. Ademais, quando analisada a aplicação da teoria na seara médica, forçoso pontuar que a precariedade do sistema nacional de saúde exige análise com máxima cautela e principalmente nos casos de culpa grave (NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico, 8ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2013).

Ainda, sobre o assunto, é preciso lembrar que diagnóstico consiste na determinação da doença do paciente, seus caracteres e suas causas. O erro de diagnóstico não gera responsabilidade, salvo se este for realizado sem atenção e precauções conforme o estado da ciência, apresentando-se como erro manifesto e grosseiro. Comete-o o médico que deixar de recorrer a outro meio de investigação ao seu alcance ou profere um juízo contra princípios elementares de patologia.

Por outras palavras, se tem afirmado que o erro de diagnóstico, que consiste na determinação da doença do paciente e de suas causas, não gera responsabilidade, desde que escusável em face do estado atual da ciência médica e não lhe tenha acarretado danos. Porém, diante do avanço médico-tecnológico de hoje, que permite ao médico apoiar-se em exames de laboratório, ultrassom, ressonância magnética, tomografia computadorizada e outros, maior rigor deve existir na análise da responsabilidade dos referidos profissionais quando não atacaram o verdadeiro mal e o paciente, em razão de diagnóstico equivocado, submeteu-se a tratamento inócuo e teve a sua situação agravada, principalmente se se verificar que deveriam e poderiam ter submetido o seu cliente (paciente) a esses exames e não o fizeram, optando por um diagnóstico precipitado e impreciso.

Muitas vezes, exames complementares podem influenciar a conduta médica de maneira a levar a um diagnóstico preciso. Neste ponto, há necessidade de averiguar se o médico dispunha do aparelho, bem como dos materiais necessários à execução dos exames.

Por certo, portanto, a aplicação da teoria da perda de uma chance em erro de diagnóstico médico é bastante controversa. Todavia, os Tribunais do país vêm entendendo pela aplicação da teoria da perda de uma chance na seara médica e isto, respeitosamente, também desconsidera algo essencial: nas hipóteses de perda da chance clássica, há sempre certeza quanto à autoria do fato que frustrou a oportunidade, e incerteza quanto à existência ou à extensão dos danos decorrentes desse fato. Assim, por exemplo, quando uma pessoa impede outra de participar de um concurso de perguntas e respostas, não há dúvidas de quem causou o impedimento, e a única incerteza diz respeito a qual seria o resultado do certame e que benefícios seriam auferidos pela vítima caso dele participasse até o fim. 

Por isso a indenização é fixada mediante uma redução percentual do ganho que, em princípio, poderia ser auferido pelo prejudicado. Assim, se este tinha 60% de chances de sucesso caso tivesse aproveitado a oportunidade perdida, a indenização será fixada em 60% sobre o valor total dos hipotéticos lucros cessantes.

Mas isto ocorre na seara médica?

Na hipótese da oportunidade perdida ser de um tratamento de saúde que poderia interromper um processo danoso em curso e que culminou com a morte do paciente, por exemplo, a extensão do dano já está definida, e o que resta saber é se esse dano teve como concausa a conduta do médico.

A incerteza, portanto, não está na consequência. Daí porque o necessário destaque a alegação da ausência de nexo causal. A conduta do médico não provocou a doença que levou ao óbito. Ora, disso decorre que a incerteza quanto à causa deve ser resolvida em um processo regular de produção de provas, de modo que, se comprovado o nexo causal entre a conduta do médico e o prejuízo causado ao paciente, este lhe deverá pagar uma indenização integral, não uma indenização proporcional ao grau de plausibilidade da oportunidade perdida. Se não ficar comprovada a culpa, por outro lado, indenização nenhuma será devida. Para o erro médico, portanto, o critério seria de tudo ou nada.
Em suma, entendemos, pois, que sem demonstração clara de que um determinado dano decorreu, no todo ou em parte, da conduta do médico, muito difícil admitir que esse profissional seja condenado à sua reparação. Admiti-lo, em última análise, significa romper com o princípio da conditio sine qua non, pressuposto inafastável da responsabilidade civil no sistema brasileiro. 

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